Entrevista com Patrick Volkerding, criador e principal mantenedor de uma das mais antigas e tradicionais distribuições Linux, o Slackware.
Encontrei essa entrevista no htmlstaff.org.
Patrick Volkerding, programador de mão cheia, guitarrista e mestre cervejeiro, é o criador e principal cabeça da distribuição Slackware, uma das mais conhecidas e tradicionais distribuições Linux em todo o mundo. Destilando alguns comentários sutis contra empresas distribuidoras de Linux mais preocupadas com o marketing do que com o próprio Linux, ele conta nesta entrevista exclusiva a Henrique Cesar Ulbrich por que o Slackware deve ser considerado a solução quando se deseja um ambiente Linux mais flexível e seguro.
Revista do Linux: O Slackware possui o estigma de ser uma distribuição difícil de configurar, porque não possui ferramentas gráficas de configuração para "afinar" o sistema, e o usuário precisa alterar os arquivos de configuração "na mão". Sabemos que isso não é totalmente verdade, mas eu ainda escuto as pessoas dizerem coisas assim. Qual a verdade?
Patrick Volkerding: Alguns de nós amamos a linha de comando (risos)! Agora, falando sério, existem muitas coisas no prompt que são impossíveis de se fazer com uma interface gráfica. No Linux, muitos parâmetros não são configuráveis com ferramentas gráficas. Os programas gráficos de configuração na verdade roubam do usuário a oportunidade de explorar em detalhes o que o sistema é capaz de fazer. Muitas dessas ferramentas gráficas oferecem apenas uma pequena parte do conjunto de características a serem configuradas.
Se a "maneira Slackware" de fazer as coisas é mais ou menos trabalhosa ou difícil, bem, depende do que você está querendo colocar para funcionar. Eu costumo dizer que tentamos deixar o Slackware o mais user-friendly possível sem que isso interfira no trabalho das pessoas que realmente conhecem e entendem o funcionamento do sistema. Nosso objetivo é, portanto, ser a distribuição Linux mais expert-friendly que existe. Outras distribuições não são tão expert-friendly assim, pois podem fazer coisas como sobrescrever as alterações nos arquivos de configuração que alguém tenha feito "na mão". Tentamos deixar tudo o mais aberto possível.
Revista do Linux: Então você é daqueles que odeiam o Linuxconf, ou o Control Panel da Red Hat, ou qualquer ferramenta parecida?
Patrick Volkerding: Realmente não sou fã do Linuxconf. Eu nunca usei o Control Panel, mas acredito que esse também não seja meu modo preferido de configurar uma máquina. Claro, dependendo de como foi implementado, o sistema pode deixar o usuário com poucas escolhas.
Revista do Linux: Você acha que há possibilidade de que as futuras versões dessas ferramentas gráficas de configuração possam ser flexíveis o bastante para se equipararem à edição manual dos arquivos de configuração? Respeitando os especialistas e não sobrescrevendo as edições manuais? O Linuxconf sempre leva a culpa quando os arquivos de configuração são alterados e ninguém consegue determinar o culpado...
Patrick Volkerding: Não acho que ferramentas gráficas de configuração escritas por terceiros possam um dia ser tão flexíveis quanto a edição direta dos arquivos. Essas ferramentas nunca terão verificadores de sintaxe eficientes para editar o arquivo e deixar os comentários existentes em paz. Outro problema é que as partes do sistema que o Linuxconf configura continuam a mudar, também. Você poderá um dia fazer uma atualização do seu sistema e descobrir que alguma parte do Linuxconf (ou outro configurador) não funciona mais ali.
Na verdade, eu não tenho nada contra a configuração do sistema utilizando esses utilitários gráficos, mas na minha opinião esses programas devem ser escritos pelo próprio autor do programa que está sendo configurado. Por exemplo, o Eric Raymond inclui um utilitário chamado fetchmailconf na distribuição do fetchmail. Nesses casos, você pode ter certeza de que os dois programas estão sincronizados como se deve.
Revista do Linux: Você disse que seu objetivo era "ser a distribuição Linux mais expert-friendly que existe". É um ponto de vista interessante. O poder escondido por trás dos caracteres cinza sobre fundo preto é o argumento mais utilizado pelos usuários do Slackware nas discussões do tipo "RedHat x Slack" (ou SuSE x Slack ou Conectiva x Slack ...). Vemos que, enfim, o criador também concorda com isso. Mas isso não leva o Slackware para muito longe do usuário final?
Patrick Volkerding: Bem, não faz tanto tempo assim que o usuário final era obrigado a lidar com esse tipo de coisa (alguém lembra do DOS?), e para a maior parte das pessoas usuárias de computadores na época, as coisas não eram tão complicadas assim. Perdia-se muito menos tempo para encontrar um problema no DOS do que, anos depois, no Windows. Mas as expectativas dos usuários mudaram muito nos últimos anos, e muitos dizem que nosso instalador é frustrante para os usuários modernos porque não é possível usar o mouse. Essas coisas são superficiais, entretanto. O instalador do Slackware "é" fácil de usar e, por ser bem mais simples, roda muito mais rápido que qualquer instalador gráfico. Para os usuários finais, o Slackware pode rodar qualquer modo de login gráfico, e possui um GNOME e um KDE que são tão fáceis de usar quanto em qualquer outra distribuição, e provavelmente estão mais bem configurados. Eu os uso de vez em quando.
Revista do Linux: O que difere o Slackware de hoje da sua primeira versão? Claro, qualquer um pode olhar o changelog no site oficial (http://www.slackware.com), mas houve uma mudança significativa, fundamental ao longo dos anos, ou os usuários podem esperar sempre o mesmo velho e bom Slack?
Patrick Volkerding: Bem, há muitas diferenças. A primeira versão possuía um instalador tipo linha-após-linha, e não possuía suporte a dispositivos SCSI, por exemplo. O Slackware evoluiu para a estrutura que as pessoas conhecem hoje a partir da primavera de 1994, quando o Instalador colorido (baseado em menus) foi incorporado. Basicamente, o Slackware de hoje é totalmente diferente do Slackware 1.0, mas alguns arquivos no /etc continuam os mesmos. O Slackware 1.0 foi modelado segundo todos os padrões UNIX que eu pude seguir, e eu tentei tratar o layout final do Slackware 1.0 como um padrão em si mesmo, e não alterá-lo se não houvesse razão para isso. Como resultado disso, quem conhece o sistema poderá operar futuros releases com um mínimo de treinamento.
Revista do Linux: Você vê futuro para o Slackware, uma vez que existem tantas distros aparecendo ao redor do mundo (e a maioria é baseada no Debian ou no Red Hat)? Eu sei que você já respondeu a esta pergunta para o Linux Journal em 1994, mas o cenário hoje é um pouquinho diferente...
Patrick Volkerding: O Slackware tem um grupo de seguidores leais, e apesar de todos os clones de Red Hat que surgem todos os dias, um número crescente de pessoas está visitando nosso site e fazendo download do software ou comprando o CD-ROM. Minha esperança é a de que as pessoas expostas a versões easy-to-use do Linux possam eventualmente crescer e nos contactar procurando um sistema que é REALMENTE fácil de personalizar.
Revista do Linux: Que características vocês estão planejando para o futuro próximo? E para o "não-tão-próximo-assim"?
Patrick Volkerding: A próxima versão do Slackware trará basicamente versões mais novas dos programas que ele já possui, nada realmente revolucionário. Mas para o futuro, estamos pensando em utilizar um sistema de pacotes mais robusto. O sistema que usamos agora funciona bem, e é interessante que o formato, sendo tar+gz, permita que os pacotes sejam facilmente examinados e, se preciso, recompilados. Mas gostaríamos de poder assiná-los, verificar o conteúdo, e manipular upgrades de uma maneira mais automática. Nós estamos testando um sistema experimental chamado SPS, mas também estamos considerando o uso de formatos mais populares (e com mais suporte comercial) como o RPM ou o DEB. O formato RPM é o candidato mais provável, por ser um formato universal de fato e porque o Linux Standard Base (LSB) provavelmente irá adotá-lo como formato padrão, e queremos estar em conformidade já no lançamento do padrão.
Revista do Linux: Quantas pessoas estão envolvidas no desenvolvimento do Slackware atualmente?
Patrick Volkerding: Bem, além de mim (eu ainda faço grande parte do trabalho e estou encarregado de manter a árvore mestre), tem esses três caras que contratamos da Georgia Tech: David Cantrell, Logan Johnson e Chris Lumens. Juntos, nós formamos o core team do Slackware. Existem ainda mais umas 20 pessoas que nos ajudam pela Internet e que podemos considerar parte da equipe também. Além dessas, temos as centenas de pessoas ao redor do mundo que de vez em quando nos mandam alguma contribuição ou bugfix. Isso, é claro, sem contar os desenvolvedores mais importantes, como o Linus e o Stallman, que coordenam todos os softwares que integramos com o Slackware.
Revista do Linux: Você já ganhou dinheiro com o Slackware? Se não, que outros benefícios você espera desse seu filho famoso, e o que você acha de outras pessoas ganhando dinheiro com ele (como a Walnut Creek, por exemplo)?
Patrick Volkerding: Sim, eu já ganhei dinheiro com o Slack. Eu evitei qualquer tipo de ganho por um ano ou dois, pois achava que isso era contra a filosofia do software livre. Mas depois que eu vi outras pessoas ganhando dinheiro vendendo o Slackware, eu resolvi tentar obter algum retorno financeiro para garantir a continuidade do desenvolvimento. Desde 1995, a Walnut Creek (que agora chama-se BSDi, Inc) me paga para manter o Slackware e os seus arquivos no ftp.freesoftware.com e para desenvolver a versão de varejo do Slackware em CD-ROM. Tem sido um trabalho árduo, um emprego pra mim. Claro, ainda ofereço o Slackware gratuitamente na Internet, e o fato de sermos a única versão que oferece suporte técnico gratuito para a versão gratuita disponível para download prova que estamos dedicados aos ideais do software livre.
Revista do Linux: Eu li em algum lugar que você é guitarrista. O que você gosta de tocar e quais equipamentos você tem?
Patrick Volkerding: Eu toco muito Jerry Garcia, mas de maneira bem jazz, improvisada. No momento eu uso uma guitarra elétrica Alvarez, mas tenho um Ovation Viper com três captadores de que gosto muito, pois possui uma escala de 24 trastes.
Revista do Linux: Se pudesse escolher, usaria uma Fender Stratocaster ou uma Gibson LesPaul?
Patrick Volkerding: Entre as duas, eu ficaria com a LesPaul. Mas se pudesse escolher mesmo, eu preferiria o braço mais fininho de uma Gibson SG.
Revista do Linux: Você ainda faz sua própria cerveja?
Patrick Volkerding: Parei de fazer cerveja há alguns anos, mas ainda tem gente bebendo as últimas que eu fiz. Recentemente eu me mudei para uma nova casa, e limpei toda a parafernália para a mudança. Provavelmente neste inverno eu estarei trabalhando nisso de novo, pois a temperatura estará mais adequada para a fermentação. Veremos...
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